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Em Portugal, começa a ser mais fácil ganhar a lotaria do que acertar em sondagens. É a primeira ilação que podemos retirar do rescaldo das eleições autárquicas. A verdade é que os estudos de opinião passaram a ser um jogo de sorte ou de azar, de diversão ou de manipulação, com perda do rigor e da credibilidade que se impunham. E nestas eleições também falharam, muito em especial em Lisboa, onde Carlos Moedas bateu todas as opiniões, inquéritos e sondagens, até à boca das urnas, em três das quatro projeções realizadas no domingo – apenas a projeção da Universidade Católica para a RTP acertou – contra as previsões da Pitagórica para TVI, do ISCTE para a SIC e da Intercampus para o CMTV.
Da mesma forma que tem de ser repensada a metodologia das sondagens, estas eleições convocam-nos também para a necessidade de contrariar o fenómeno da abstenção, que continua a muito elevado. A taxa de abstenção nas eleições de domingo foi a segunda mais alta em eleições locais, desde 1976, com 46,35% dos eleitores a faltarem à chamada para o cumprimento de um dever cívico, cada vez mais banalizado – só em 2013, a abstenção situou-se num patamar superior, com um valor recorde de 47,40%. Curiosamente, no mesmo dia em que a Alemanha elegeu um novo parlamento, com uma participação de quase 80% dos eleitores.
Os partidos estão em descrédito e a representação nos órgãos locais não foge à regra. A política não pode convencer quando muitos dos candidatos persistem, por omissão, em não discutir as propostas e os compromissos que interessam à comunidade. Parece que ser candidato significa embarcar num projeto de fracasso pessoal ou de demérito profissional, quase uma aventura sujeita ao insulto fácil, dos meios de comunicação sacro-julgadores, das redes sociais e até dos próprios eleitores, como se de um saco de boxe se tratasse.
O País político tem de fazer mais que os comentários de ocasião ou das colunas de opinião publica e publicada. Temos uma democracia madura de 46 anos, mas completamente imatura no exercício de direitos cívicos e políticos, refém da indiferença daqueles que há muito renunciaram de escolher o seu próprio destino.
Quiçá, institucionalizar numa futura revisão constitucional, a obrigatoriedade de votar, ainda que mitigada, por exemplo, com a suspensão temporária, de direitos, regalias ou de benefícios fiscais.
Estranhamente, os movimentos independentes estão a perder gás, o que também denota a fragilidade desses grupos de cidadãos, para captar votos junto dos descontentes ou abstencionistas. Uma situação que resulta, em parte, dos falsos independentes, que acabam por protagonizar candidaturas, quando preteridos pelas escolhas das direções partidárias.
Numa leitura do sentido de voto, concluímos que em 66, dos 308 concelhos, houve uma dinâmica de mudança e os eleitores optaram pela renovação, escolhendo novos protagonistas, contra a corrente do apelo à estabilidade. As eleições locais traduzem sempre uma ligação de proximidade muito própria entre os cidadãos e os candidatos e a conclusão a extrair destas eleições é que há uma volatilidade de voto muito grande, que culminou com a mudança de cor política em mais de 1/5 das autarquias.
Da noite eleitoral, sobressai ainda a confirmação do desgaste do Governo e do primeiro-ministro – o PS perdeu 245 mil votos em relação a 2017 – que se prepara, nunca o admitindo, para remodelar o Executivo, estando ele próprio mais preocupado em preparar a sua saída para um cargo europeu do que me dar um rumo ao País.
A verdade é que os eleitores não caíram no engodo da chuva dos milhões do PRR e nem as munições da Bruxelas escondem uma governação em fim de ciclo.
Sobre as autárquicas, ainda vai correr muita tinta, mas o que fica são os milhares de candidatos eleitos para as Câmaras e Assembleia Municipais, Assembleias e Juntas de Freguesia, legitimados pela voz do povo para governar as nossas cidades, vilas e aldeias, nos próximos quatro anos.
A democracia vale sempre a pena.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre